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quinta-feira, outubro 19, 2006

SUPERANDO

SUPERANDO A DOR

No dia 28 de julho de 1976, a cidade industrial de Tangshan foi
completamente arrasada por um terremoto apavorante. 300 mil mortos.
O fato ficou famoso como símbolo do colapso total das comunicações da china
naquela época.
A preocupação das autoridades era com a crise pela morte de Mao Tsétung e
duas outras importantes personalidades.
A notícia do terremoto acabou chegando ao governo através da imprensa
estrangeira.
Muitas mulheres ficaram sem marido e viram seus filhos desaparecer em
abismos profundos.
Chen foi uma delas. Naquela manhã de julho, antes de clarear, ela foi
despertada por um som estranho.
Era uma espécie de ronco surdo e um assobio, como se um trem estivesse se
espatifando contra as paredes da casa.
Quando ia gritar, metade do quarto cedeu e a cama onde estava deitado o
marido, foi tragada por um buraco enorme.
O quarto das crianças, que ficava do outro lado da casa, como um cenário de
um palco apareceu à sua frente.
O filho mais velho estava de olhos arregalados e boca aberta. A menina
chorava e gritava, estendendo os braços para a mãe.
O filhinho pequeno continuava dormindo calmamente.
A cena à sua frente sumiu de repente como se uma cortina tivesse caído.
Chen acreditou que estava tendo um pesadelo e se beliscou. Não acordou.
Então, espetou a perna com uma tesoura.
Sentindo a dor e vendo o sangue, entendeu que não era um sonho.
Gritou como louca. Ninguém ouviu. De todos os lados vinha sons de paredes
desmoronando e de móveis quebrando.
Ela ficou ali, com a perna ensangüentada, olhando para o buraco enorme que
tinha sido a outra metade da sua casa.
Seu marido e suas lindas crianças tinham desaparecido diante dos seus olhos.
Sentiu vontade de chorar, mas não tinha lágrimas. Simplesmente não queria
continuar vivendo.
Vinte anos depois, contando esta história a uma jornalista, Chen confessa
que quase todo dia, ao amanhecer, ouve um trem roncando e apitando, junto
com os gritos dos seus filhos.
Os pesadelos a machucam, mas ela diz que os suporta porque neles estão
também as vozes dos seus filhos.
E quem pensa que Chen vive somente a lamentar e a chorar a perda dos seus
amores, engana-se.
Ela, junto a outras mães que perderam seus filhos no terremoto de 1976,
fundaram um orfanato, com o dinheiro da indenização que receberam.
É um orfanato sem funcionários. Alguns o chamam de uma família sem homens.
Vivem ali algumas mães e dezenas de crianças. Cada mãe ocupa um aposento
grande com 5 ou 6 crianças.
Os aposentos do orfanato foram decorados com uma infinidade de cores, de
acordo com o gosto das crianças. Cada quarto com seu estilo de decoração.
Bem diferente dos orfanatos tradicionais da china.
Ao ser questionada como se sente hoje, naquele voluntariado, confessa Chen:
"muito melhor. Especialmente à noite. Fico olhando enquanto as crianças
dormem. Sento ao lado delas, seguro suas mãos contra o meu rosto. Beijo-as e
agradeço a elas por me manterem viva. É um ciclo de amor. Dos velhos para os
jovens e de volta para os velhos."
***
Por vezes, quando a dor nos visita, nos enclausuramos nela, acreditando que
a nossa é a dor maior do mundo.
O exemplo de Chen nos dá a dimensão da dor e nos ensina como lidar com ela:
atender o próximo que também sofre.
Afinal, sempre que olharmos para trás encontraremos criaturas mais
intensamente feridas do que nós mesmos. E no atendimento às suas feridas,
encontraremos o alívio que buscamos.
Tudo porque o toque delicado do amor é o curativo perfeito para as próprias
chagas abertas no coração.

Equipe de Redação do Momento Espírita com base no cap. As mães que sofreram
um terremoto, do livro As boas mulheres na China, de autoria de Xinran, ed.
Companhia das letras.

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